quarta-feira, 19 de julho de 2017

CRISTIANO É PROSA, MESSI É POESIA

Por Gustavo Felicíssimo


Solitário, em meu escritório, onde dou início a escrita desta crônica, observo a lua cheia, assemelhada a uma bola de futebol, e me lembro aquela história infantil em que um menino chuta a sua bola para o alto e acaba derrubando a lua, iniciando a partir daí uma grande confusão.
Isso para dizer que em matéria de futebol, se não sou nenhum expert, também não sou ignorante. E se me perguntarem qual o meu time, respondo logo que tenho dois: São Paulo e Bahia. O primeiro me acompanha desde o berço por influência de meu pai; o segundo é coisa inexplicável, é paixão desde que fui à Fonte Nova pela primeira vez, no já distante ano de 1993. Eu ficava na geral, bem pertinho da Bamor, entrando ali pela Ladeira da Fonte. E acho mesmo que devo ser um caso raro, senão único, de um paulista torcedor de um time nordestino. Aliás, devo dizer que no enfrentamento dos tricolores meu coração fica com o da boa terra sem pestanejar.
            Mas o Bahia maltrata muito a gente. Já frequentamos a terceira divisão e passamos anos seguidos na segundona. Pior é que quando vamos para a primeira, no ano seguinte lá estamos nós, de novo, rebaixados. Só mesmo um coração de aço para suportar. Só mesmo muita paixão. Mas torcedor que não quiser ter esse tipo de aflição que vá torcer pelo Real Madrid ou Barcelona, lá não se corre esse risco. Eles têm Cristiano Ronaldo e Messi, além de outros diversos craques, e estão sempre por cima da carne fresca, fresquíssima, aliás, com euros de sobra, sempre, para a contratação da última joia dos gramados do planeta.
Aliás, nesta noite, após três ou quatro doses de uísque, lembrando a canção de Rita Lee sobre o texto do Jabor, tive um insight e desenvolvi a teoria de que o Cristiano Ronaldo está para a prosa assim como o Messi está para a poesia. No entanto, antes de me embrenhar na questão, é necessário concordar com o Tostão quando ele observa que a bola de um depende da bola de outro, ou seja: a competitividade e rivalidade entre ambos é tão alta e tão acirrada que o que faz um alcançar o máximo rendimento é a existência do outro. Assim, o CR7 como o conhecemos só é possível por conta da existência de um rival à sua altura. Isso vale também para o argentino.
            E se há mesmo alguma possibilidade de comparação entre eles, esta apenas se pode fazer por meio da literatura. Visto que o estilo de jogo do Messi, por exemplo, depende muito do inefável, do improviso, e que ele tateia o gramado como um poeta buscando o indizível, mas sabendo o que quer dizer, como pregou o Gullar, cada drible, cada jogada desconcertante, como aquela sobre o Boateng, podendo ser comparada apenas a um poema, desses com mudanças de perspectivas e metáforas que nos deixam sem fôlego, mais das vezes um poema de boa fatura, ou melhor, um gol, uma jogada excepcional ou um passe para o companheiro apenas cumprimentar a redonda, deitando-a nas redes adversárias.
            Já o Cristiano Ronaldo é prosa pura. Sua índole futebolística é orgânica, depende intimamente do desenvolvimento da partida, assim como uma narrativa depende de um desenvolvimento dentro do tempo. Mesmo que o jogo esteja difícil, ele bem marcado, esconder-se nunca é uma opção, por isso é necessário pulsar, pulsar, até que numa entrelinha – a explosão! Uma única oportunidade e o desfecho é sempre o mesmo: gol do gajo. Pois para ele os 90 minutos de uma partida não passam de mera descrição de paisagem, por isso nunca toma parte em todas as peripécias, mas está ali, pronto para explodir num quadro íntimo. É quando corre para o público e diz: eu estou aqui!
         Enfim, nem preciso dizer que prosa e poesia são gêneros textuais complementares, assim como, do mesmo modo, os gênios Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Eles são as duas extremidades de um leque se fechando harmonicamente, são a fome e a vontade de comer, o chão e a semente. Os mais espirituosos diriam que eles são o casal de namorados no banco da praça, de mãos dadas, mas que não se beijam. E nós somos os felizes espectadores de futebol que podemos presenciar um tempo polarizado entre esses dois grandes astros que já fazem parte, de modo insondável, do panteão dos grandes craques de todos os tempos.

Em: Carta a Rubem Braga, Crônicas, Mondrongo, 2017

Lançamento previsto para agosto de 2017

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