Gustavo Felicíssimo
Todo
pai de primeira viagem descobre rapidamente o quanto seu novo papel é delicioso
e desafiante. Delicioso porque voltamos ao mundo da fantasia e sonhamos com
mais intensidade; ao mesmo tempo nos tornamos menos vulneráveis às provocações
externas. Desafiante porque, com nossas experiências de filho, somos impelidos
a superar nossos pais. Somos chamados a transcender nossos limites. É aí,
talvez, que reside o motivo maior da paternidade.
Sempre
estive literalmente infenso às datas comemorativas, como o Natal, Dia das Crianças,
Dia das Mães, e outras. Entretanto, às portas dos meus 40 anos, algo começou a
mudar. Num momento em que já não alimentava qualquer aspiração à paternidade,
ela me apanhou e me virou pelo avesso. Foi então que percebi o quanto ser pai é
um exercício constante de generosidade, abdicação, tolerância, paciência. É,
também, viver em estado permanente de transformação interior e alerta.
Ser
pai é delicioso e desafiante, é acordar de madrugada preocupado com o choro do
filho (no meu caso, das filhas), mas é também lhes oferecer o conforto
necessário dos nossos braços para que voltem a dormir. É saber que o filho vai
requerer para si todo o tempo disponível que tivermos e o tempo nem tão
disponível assim, e mesmo com toda trabalheira seremos completamente loucos por
eles. Ser pai é trocar fraldas, limpar cocô, perder noites de sono. É chegar
exausto ao final do dia e mesmo assim encontrar mais um pouquinho de energia
para dedicar-se ao filho. Mas também é se emocionar com um sorriso, com os primeiros
passos, primeiras palavras. Ser pai é comemorar o dentinho que está nascendo e
ficar parecendo um tolo quando se ouve o primeiro... papai.
Devido
aos apelos midiáticos e publicitários que infestam nosso cotidiano, poderia
continuar aceitando que o Dia dos Pais é apenas mais uma data meramente
ilustrativa, comercial, cujo ápice supostamente ocorre na oferta dos
tradicionais presentes. Mas isso pode ser visto de outra forma.
Recorrendo
ao dicionário, encontrei o adjetivo “paterno” como significante de algo que
“lembra o amor de pai”. Convenci-me, então, de que a maior gratificação de um
pai no Dia dos Pais não é receber um presente ou ter reservado no calendário um
dia para ser lembrado mais efusivamente. No Dia dos Pais a maior gratificação
de um pai é poder oferecer a seu filho mais um pouco de tempo, carinho e
atenção. Eis, para mim, a delícia e o desafio de ser pai.
Em: Carta a Rubem Braga, Crônicas, Mondrongo, 2017
Lançamento previsto para agosto de 2017