quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

UMA AVENTURA CHAMADA MONDRONGO

Foto: Fausto Roim
Por Gustavo Felicíssimo*


O Brasil possui vasta tradição de escritores/editores, à qual passei a integrar no ano de 2011, quando resolvi encarar uma aventura chamada Mondrongo. Vinculada ao Teatro Popular de Ilhéus, em princípio, a empresa tinha como missão e mérito fomentar a literatura da região cacaueira da Bahia, lugar que viu florescer ficcionistas e poetas da envergadura de Jorge Amado, Adonias Filho e Sosígenes Costa, publicando parte significativa do melhor da sua literatura contemporânea, bem como recuperar, à medida do possível, a obra de autores ausentes.
Ainda que estivesse mergulhado em um ambiente de longa tradição literária, eu andava preocupado com a escassez de publicações de autores da minha geração. Eram jovens de muito talento. Por isso é que, percebendo esse ambiente favorável, antes mesmo de fundar a Mondrongo eu já havia organizado e publicado “Diálogos”, uma bem-sucedida antologia panorâmica da poesia contemporânea da região, que tirou ao todo 1 mil exemplares em suas duas edições, tendo reunido trabalhos de 12 poetas. Foi essa uma obra embrionária e encorajadora, tanto que a maioria dos antologiados mais tarde vieram a publicar seus livros através da editora.
É por isso que, inspirado por uma proposição de Tólstoi, tinha em mente que o mais importante no primeiro momento era desenvolver um trabalho relevante para a literatura da aldeia sul-baiana. Assim, por uma questão de identidade, publicar tais autores jamais deixará de fazer parte dos objetivos essenciais da editora. Mas agora ancorados também pelo fato de já sermos uma empresa de referência para a Bahia, uma empresa que valoriza e deseja ser importante para a literatura baiana, tendo neste pouco tempo de fundação, publicado autores de todas as regiões do estado.
Aspiração semelhante tenho por todo o Nordeste, região que me fez o que sou. Mas não é por gratidão que admiro a literatura daqui, senão pela capacidade sem igual que os nossos poetas e ficcionistas têm de ler o mundo e o homem a partir da realidade local. Entretanto, as ações da editora fora da Bahia são ainda embrionárias, embora cada vez mais frequentes.
  Não poderia jamais imaginar o sucesso da Mondrongo até aqui quando iniciei o trabalho nos fundos da minha casa, revisando e fazendo o copidesque nas madrugadas, enquanto todos dormiam. Em pouco tempo as publicações começavam a ficar conhecidas, assim como a própria marca. Até que em 2015 um dos livros publicados, “A dimensão necessária”, do poeta João Filho, venceu o importante Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Biblioteca Nacional. A notícia correu o país, foi manchete em toda imprensa, e mesmo fora dos grandes centros editoriais, como num passe de mágica, muitos olhos estrangeiros se voltaram para nós. Passei a receber um número sem fim de originais que no momento não tive condição sequer de avaliar.
Continuei fiel aos princípios estabelecidos, publicando ótimos livros dos gêneros mais diversos. Alguns deles tão bons quanto o premiado, por isso jamais me surpreenderá se outros prêmios vierem, como quase aconteceu com “Cacau Inventado”, do Wladimir Saldanha, que foi semifinalista do Prêmio Oceanos. O que me surpreende ainda, e me causa espanto, é a imbecilidade humana, o invejoso, o sabotador. Há muito disso no meio literário. E falta a algumas pessoas – no poder público e na iniciativa privada – certo lustro moral, aquela dose de dignidade que deveria acompanhar qualquer pessoa em qualquer profissão.
No entanto permaneço aqui, travando uma luta que em muitos sentidos é por demais desigual, a começar pela falta geral de incentivo e políticas sérias e duradouras para a leitura, chegando ao canibalismo das grandes redes de livrarias que se parecem com tudo, menos com uma livraria. O resultado disso é que, com raras exceções, as casas estão ricas de aparelhos tecnológicos de última geração e pobres de livro. É por isso que continuo sem saber qual o milagre de ainda não ter cerrado as portas da empresa. E devaneio: deve ter aí a mão do Criador. E me agarro aos sonhos possíveis, a certo pragmatismo que proporciona às coisas acontecerem, ainda que vagarosamente. Faço sacrifícios. E não me desvio do caminho, embora tantos descaminhos. Tantos desencontros nessa vida, como escreveu o Vinícius. Porém, não pretendo desistir tão cedo e nem tão facilmente, pois há muito ainda por fazer, afinal, mesmo a duras penas um empenho qualquer – qualquer um que seja – só pode ser medido pela coragem e confiança no que se faz.
E o que faço é o que sou. Por isso o livro sempre fez parte da minha vida. Por isso persigo a máxima pessoana que diz: põe quanto és no mínimo que fazes. E me ponho todo. Me agarro àquela flama que insiste em brilhar nitidamente no meu horizonte, tão importante para mim quanto o farol para o marinheiro, pois como nos alerta Leonardo Boff, nada supera a grandeza, a perenidade e a sacralidade do livro.

(*) Escritor e Editor da Mondrongo

12.01.17

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