domingo, 13 de agosto de 2017

A DELÍCIA E O DESAFIO DE SER PAI

Gustavo Felicíssimo


Todo pai de primeira viagem descobre rapidamente o quanto seu novo papel é delicioso e desafiante. Delicioso porque voltamos ao mundo da fantasia e sonhamos com mais intensidade; ao mesmo tempo nos tornamos menos vulneráveis às provocações externas. Desafiante porque, com nossas experiências de filho, somos impelidos a superar nossos pais. Somos chamados a transcender nossos limites. É aí, talvez, que reside o motivo maior da paternidade.
Sempre estive literalmente infenso às datas comemorativas, como o Natal, Dia das Crianças, Dia das Mães, e outras. Entretanto, às portas dos meus 40 anos, algo começou a mudar. Num momento em que já não alimentava qualquer aspiração à paternidade, ela me apanhou e me virou pelo avesso. Foi então que percebi o quanto ser pai é um exercício constante de generosidade, abdicação, tolerância, paciência. É, também, viver em estado permanente de transformação interior e alerta.
Ser pai é delicioso e desafiante, é acordar de madrugada preocupado com o choro do filho (no meu caso, das filhas), mas é também lhes oferecer o conforto necessário dos nossos braços para que voltem a dormir. É saber que o filho vai requerer para si todo o tempo disponível que tivermos e o tempo nem tão disponível assim, e mesmo com toda trabalheira seremos completamente loucos por eles. Ser pai é trocar fraldas, limpar cocô, perder noites de sono. É chegar exausto ao final do dia e mesmo assim encontrar mais um pouquinho de energia para dedicar-se ao filho. Mas também é se emocionar com um sorriso, com os primeiros passos, primeiras palavras. Ser pai é comemorar o dentinho que está nascendo e ficar parecendo um tolo quando se ouve o primeiro... papai.
Devido aos apelos midiáticos e publicitários que infestam nosso cotidiano, poderia continuar aceitando que o Dia dos Pais é apenas mais uma data meramente ilustrativa, comercial, cujo ápice supostamente ocorre na oferta dos tradicionais presentes. Mas isso pode ser visto de outra forma.
Recorrendo ao dicionário, encontrei o adjetivo “paterno” como significante de algo que “lembra o amor de pai”. Convenci-me, então, de que a maior gratificação de um pai no Dia dos Pais não é receber um presente ou ter reservado no calendário um dia para ser lembrado mais efusivamente. No Dia dos Pais a maior gratificação de um pai é poder oferecer a seu filho mais um pouco de tempo, carinho e atenção. Eis, para mim, a delícia e o desafio de ser pai.

Em: Carta a Rubem Braga, Crônicas, Mondrongo, 2017

Lançamento previsto para agosto de 2017

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